sexta-feira, 26 de março de 2010

LENDA JUDAICA. Eva narra a queda!!!


Depois que fui criada Deus dividiu o Paraíso e todos os animais que nele continham entre Adão e eu. O leste e o norte foram designados a Adão, juntamente com todos os animais do sexo masculino. Eu era a senhora do oeste e do sul e de todos os animais do sexo feminino. Satanás, remoendo a desgraça de ter sido expulso do exército celestial, resolveu provocar a nossa ruína e assim vingar-se do seu fracasso. Ele conquistou a serpente para o seu lado, observando que antes da criação de Adão os animais podiam desfrutar de tudo que crescia no Paraíso, mas agora estavam restritos ao consumo de ervas rasteiras. A expulsão de Adão do Paraíso traria, portanto, benefícios para todos. A serpente hesitou, pois temia a ira de Deus, mas Satanás acalmou seus temores:

– Disponha-se apenas a ser meu vaso, e falarei através da sua boca um discurso que se mostrará capaz de seduzir o homem.

“O que você está fazendo no Paraíso?”
A serpente então ficou suspensa no muro que cerca o Paraíso, a fim de poder conversar comigo a partir de fora. Isso aconteceu precisamente quando meus dois anjos da guarda haviam subido ao céu para suplicar ao Senhor. Eu estava portanto inteiramente sozinha, e quando Satanás assumiu a forma de um anjo e inclinou-se junto ao muro externo do Paraíso, entoando canções seráficas de louvor, fui enganada, pensando que fosse um anjo. Iniciou-se então uma conversa, Satanás falando através da boca da serpente:

– Eva é você?

– Sim, eu mesma.

– O que você está fazendo no Paraíso?

– O Senhor colocou-nos aqui para cultivá-lo e comer dos seus frutos.

– Que bom. Mas vocês não podem comer de todas as árvores.

– Podemos sim, com exceção de uma, a árvore que fica no meio do Paraíso. Foi só dela que Deus nos proibiu de comer; do contrário, disse ele, morreremos.

A serpente esforçou-se de todo modo para me persuadir de que eu não tinha nada a temer – que Deus sabia que no dia em que eu e Adão comessemos do fruto da árvore, seríamos como ele mesmo. Tinha sido inveja que havia levado a Deus a não comermos dele.

Apesar dessa insistência, permaneci firme, recusando-me a tocar a árvore. A serpente então se dispôs a colher um fruto da árvore para mim. Diante disso abri o portão do Paraíso, e ela deslizou para dentro. Mal havia entrado ela exclamou:

– Estou arrependida do que disse. Acho melhor não dar a você o fruto da árvore proibida.

Esse foi um astucioso ardil para tentar-me ainda mais. Ela disse que consentiria em dar-me o fruto apenas se eu prometesse que faria meu marido comer dele também. O juramento que me fez fazer foi o seguinte:

– Pelo trono de Deus, pelos querubins e pela árvore da vida, darei a meu marido deste fruto, para que ele também coma.

A serpente subiu na árvore e injetou no fruto o seu veneno.
Em seguida a serpente subiu na árvore e injetou no fruto o seu veneno, o veneno da inclinação para o mal, e inclinou até o chão o galho do qual ele crescia. Peguei o fruto, mas soube de imediato que tinha sido despojada da integridade com a qual havia estado vestida. Comecei a chorar, por causa disso e por causa do juramento que a serpente havia arrancado de mim.

A serpente desapareceu da árvore enquanto eu procurava folhas para cobrir a minha nudez, mas todas as árvores ao meu alcance haviam deixado cair suas folhas no momento em que comi do fruto proibido. Apenas uma reteve suas folhas, a figueira, a própria árvore cujo fruto havia sido proibido para mim. Chamei Adão, e usando palavras blasfemas consegui convencê-lo a comer do fruto. Porém mal ele havia ultrapassado seus lábios, Adão tornou-se consciente de sua verdadeira condição e bradou contra mim:

– Mulher perversa, que foi que você fez comigo? Você me privou da glória de Deus.

Naquele mesmo instante Adão e eu ouvimos o arcanjo Miguel tocar sua trombeta, e os anjos exclamando:

– Assim diz o Senhor, venham comigo ao Paraíso e ouçam a sentença que proferirei sobre Adão.

Escondemo-nos, porque temíamos o julgamento de Deus. Assentado em sua carruagem puxada por querubins, e acompanhado por anjos que proferiam seu louvor, o Senhor apareceu no Paraíso. À sua chegada as árvores nuas novamente produziram folhas. Seu trono erguia-se junto à árvore da vida. Deus dirigiu-se a Adão:

– Adão, onde você está escondido? Acha que não posso encontrá-lo? Pode uma casa esconder-se do seu arquiteto?

Adão tentou colocar a culpa em mim, que havia prometido mantê-lo inocente diante de Deus; eu, por minha vez, acusei a serpente. Mas Deus distribuiu justiça sobre nós três. A Adão ele disse:

“Amargamente oprimido, você jamais experimentará qualquer doçura.”
– Você não obedeceu os meus mandamentos mas deu ouvidos à voz da sua mulher, por isso maldito será o solo apesar de todo o seu esforço. Quando você cultivá-lo ele se recusará a lhe entregar a sua força. Ele lhe dará espinhos e cardos, e com o suor do seu rosto você comerá o pão. Você enfrentará muitas adversidades, perderá as forças e ainda assim não achará descanso. Amargamente oprimido, você jamais experimentará qualquer doçura, sendo castigado pelo calor e açoitado pelo frio. Você labutará muito, porém sem acumular riqueza. Você engordará, porém deixará de viver. Os animais sobre os quais você é mestre se levantarão contra você, porque não obedeceu a minha ordem.

Sobre mim Deus proferiu a seguinte sentença:

– Você sofrerá angústia e dolorosa tortura na hora do parto. Em tristeza você dará a luz seus filhos, e na hora do parto, quando estiver perto de perder a vida, você confessará e exclamará: “Senhor, senhor, salve-me nesta hora, e jamais voltarei a ceder ao prazer carnal”. Porém ainda assim o seu desejo permanecerá continuamente voltado para o seu marido.

Na mesma ocasião toda sorte de enfermidades foi decretada sobre nós. Deus disse a Adão:

– Por ter dado as costas à minha aliança, infligirei setenta pragas sobre a sua carne. A dor da primeira praga se apoderará dos seus olhos, a dor da segunda praga a sua audição, e uma após a outra as setenta pragas recairão sobre você.

À serpente Deus disse:

– Por ter se tornado vaso do Maligno, enganando os inocentes, você será maldita, mais do que qualquer animal de criação ou animal selvagem. A comida que você desejar comer lhe será subtraída, e você comerá poeira todos os dias da sua vida. Você se arrastará sobre seu peito e sobre sua barriga, e será privada de suas mãos e pés. Você perderá suas orelhas, suas asas e todos os outros membros que usou para seduzir a mulher e o marido dela, levando-os a serem expulsos do Paraíso. Colocarei inimizade entre você e a descendência do homem: ela lhe ferirá a cabeça e você lhe ferirá o calcanhar, até o dia do julgamento.

* * *
Lendas dos Judeus é uma compilação de lendas judaicas recolhidas das fontes originais do midrash (particularmente o Talmude) pelo talmudista lituano Louis Ginzberg (1873-1953). Lendas foi publicado em 6 volumes (sendo dois volumes de notas

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